Mesmo com dificuldades a enfrentar, a educação a distância vai na direção de se firmar como uma certeza pedagógica e não apenas como uma alternativa ao ensino presencial
O ano de 2011 é um novo marco na regulação da Educação a Distância (EAD) no Brasil. Em janeiro, o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou o fim da Secretaria de Ensino a Distância (Seed), há 15 anos a principal instância de regulação e direcionamento da modalidade no país. As possíveis conseqüências da medida ainda são incertas, já que o MEC não se pronunciou oficialmente a respeito. Algo é certo, entretanto: apesar dos obstáculos a serem superados, a educação a distância começa a trilhar um caminho próprio, a sair da sombra e a influenciar o ensino presencial.
“Vivemos em um mundo onde a tecnologia muda o cenário dos ambientes de aprendizagem”, atesta o coordenador do Núcleo de Educação a Distância (NEaD) da Unesp, Klaus Schlünzen Junior.
O Brasil é o quinto maior país do mundo em conexão com a internet – são 81,3 milhões de usuários, de acordo com pesquisas de mercado. Ou seja, estudar virtualmente será cada vez mais comum.
O contexto da educação a distância no país – que desde 2003 tem um crescimento de matrículas maior do que o ensino presencial e tem sido usada como uma ferramenta de inclusão no ensino superior – mostra que a modalidade tem amadurecido e se firmado, inclusive dentro dos cursos presenciais, que podem oferecer 20% dos conteúdos a distância. Entretanto, a definição dos modelos pedagógicos, da regulação e do alcance dos cursos está longe de ser algo simples.
“A educação a distância é um fenômeno educacional novo, e a democratização da internet é muito recente. Nesse contexto, o Brasil precisa de muito mais para estar adaptado a esse ensino”, avalia Jucimara Röesler, diretora da Unisul Virtual. “Mas o MEC tem buscado a fórmula”, acredita.
“Vem aí uma geração digital que domina amplamente as tecnologias de informação e educação e que desenvolve, por natureza, o autodidatismo”, acrescenta Jucimara, que comanda sete mil alunos, em 200 cidades no Brasil, na Unisul Virtual.
Um dos obstáculos, na opinião do segmento educacional, é a exigência da presencialidade em alguns momentos do curso.
O mito da presença
Nesse contexto, fica a questão: se os cursos em sua essência são a distância, por que a necessidade tão preeminente da presencialidade? Garantir a qualidade do ensino oferecido é, de forma sucinta, como o Ministério da Educação responde a essa questão. Entretanto, essa justificativa é questionada, principalmente quando a realidade brasileira é comparada a experiências em outros países. Isso, sem contar com a disseminação da cibercultura.
A geração que não se contenta mais com o ensino pautado apenas na “transmissão” será outro polo definidor desse modelo. Na opinião de Jucimara, desde a educação básica até o ensino superior, a tecnologia oral perderá espaço. “Teremos tecnologias audiovisuais e midiáticas a serviço do processo de aprendizagem”, prevê.
E as universidades, obviamente, terão de se adaptar a esse novo contexto. “Uma universidade é em sua essência aberta. Traz conhecimento, proporciona a educação permanente ao longo da vida, com currículos flexíveis e tecnologias inovadoras”, define Jucimara. “A educação a distância nasce como uma forma de acesso à educação e democratização”, completa.
O consultor associado ao Hoper Group, João Vianney, defende que a questão passa por uma mudança conceitual. “O conceito mundial de educação a distância é ‘anytime, anywhere’. Ou seja, o aluno pode estudar a qualquer tempo e de qualquer lugar”, enfatiza. “No Brasil, o MEC criou o conceito ‘no dia marcado e no lugar marcado’”, compara. Vianney se refere ao fato de o aluno ter de se deslocar até os polos de apoio presenciais, em datas específicas. “O MEC está com a cabeça no século 18. Não acredita que o brasileiro seja capaz de um estudo autônomo, de uma aprendizagem independente e com suporte remoto de uma instituição”, acrescenta.
Desempenho superior
Tais afirmações encontram eco em dados que confirmam algumas das características da EaD, como: flexibilidade de horário e local de estudo; utilização da internet e novas mídias, pesquisa em redes virtuais, como meios do processo de aprendizagem.
O Departamento de Educação dos Estados Unidos realizou em 2010 um levantamento no qual se chegou à conclusão de que estudantes com aprendizagem, parcial ou integral, em EaD obtiveram, na média, desempenho melhor que alunos de mesmo curso do ensino presencial. Os pesquisadores mapearam 1.132 estudos científicos sobre EaD publicados entre 1996 e 2008.
O trabalho teve como objetivo responder aos quatro seguintes questionamentos: como se compara a efetividade do aprendizado on-line com a de uma aprendizagem presencial? Complementar a educação presencial com educação on-line aumenta o aprendizado? Que práticas estão associadas às técnicas mais efetivas de educação on-line? Que condições alteram a efetividade do aprendizado on-line?
No Brasil, a realidade norte-americana se repete. De acordo com o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), os graduados em EaD tiveram, em média, 6,7 pontos a mais em comparação aos resultados dos alunos oriundos dos cursos presenciais.
Ações pulverizadas
Na prática, ao extinguir a Seed, o MEC distribuiu as atribuições da ex-secretaria a outras instâncias ministeriais. A Universidade Aberta do Brasil (UAB) continuará ligada à Capes, e as antigas atribuições de regulação e supervisão do sistema de EaD estarão na alçada da nova Secretaria de Regulação e Supervisão do MEC, ocupada pelo professor Luiz Fernando Massoneto, oriundo da Faculdade de Direito da USP. Até o fechamento desta edição, os novos secretários do MEC ainda não haviam sido oficialmente empossados, e, por isso, não se pronunciaram sobre suas novas atribuições.
No Brasil, segundo o Censo 2009, 838.125 alunos estão matriculados em cursos a distância, crescimento de 15,13% em relação a 2008, bem superior aos 0,7% registrado no ensino presencial. Entretanto, ao olhar a série histórica, evidencia-se que essa expansão foi a pior desde 2003. Em 2008, o crescimento de estudantes em EaD atingiu 96,9%. Em seu primeiro pronunciamento em rede nacional à nação, em fevereiro, a presidente Dilma Rousseff disse que “esta é a grande hora da educação brasileira”. Prometeu investir na formação e melhorar a remuneração de professores como uma das estratégias para o “grande salto na qualidade de nosso ensino”.
Apesar de não ter mencionado textualmente a questão da educação a distância, a presidente afirmou: “É hora de acelerar a inclusão digital, pois a juventude brasileira precisa incorporar, ainda mais rapidamente, os novos modos de pensar, informar e produzir que hoje se espalham por todo o planeta”. Ou seja, incorporar os avanços tecnológicos da sociedade no ensino é pauta do governo federal nas ações de educação, em todos os seus níveis.
Para atingir tal meta, um dos primeiros entraves é o preconceito ainda resistente, inclusive entre docentes universitários. Exemplo disso pode ser verificado na unidade da Unesp na cidade de Marília, interior paulista.
“Marília é um campo contrário à EaD. A direção da unidade alega que cursos de pedagogia a distância não têm a qualidade necessária”, informa Klaus Schlünzen Junior, coordenador do Núcleo de Educação a Distância (NEaD) da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Eles questionam EaD como modalidade de baixo nível”, diz.
Esse comportamento existe em âmbito acadêmico por “desconhecimento”, na visão de Klaus. “As pessoas criticam EaD sem nunca terem participado dos cursos, sem nunca terem olhado o projeto pedagógico dessa modalidade de ensino”, acredita.
Impacto nos professores
Para reverter a resistência, a estratégia da Unesp é fazer capacitação tecnológica dos professores, principalmente nas graduações de pedagogia. “O professor do ensino fundamental e médio não é formado para usar a tecnologia em sala. Isso é culpa da universidade. Formamos mal os professores”, defende.
Em consequência dessa carência, professores despreparados repetem os equívocos contra a EaD. “Ele torna-se resistente à tecnologia porque não foi formado por meio dela”, atesta. Mas, para o professor Klaus, o modelo presencial não vai acabar “de jeito nenhum”. “Nem a educação a distância pode ser a salvadora de tudo, nem o presencial é o que vale. É uma adequação de contexto e demanda”, diz.
O presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Fredric Michael Litto, também ressalta a importância do professor na disseminação da cultura em EaD. “Estamos numa transição extremamente dolorosa e numa paralisia paradigmática”, pondera. Litto vê como paradigma a atuação do professor, que no passado dominava todo o conteúdo e era responsável por “entregar” o conhecimento ao aluno. “Isso vai contra todas as novas ideias de educação”, defende.
Agora o papel do professor tornou-se mais relevante. “O professor tem de levar os alunos a interpretar, organizar as atividades dos estudantes de forma a aproximá-los do conhecimento, trabalhando em grupos ou individualmente”, acredita. E ressalta: “Nenhuma tecnologia pode substituir o bom professor”.
Litto também pondera ações práticas que poderiam ser adotadas pelas instituições de ensino, principalmente as particulares, para acabar com o preconceito. “Elas deveriam fazer mais pesquisas quantitativas sobre seus egressos para saber como eles estão indo no mercado de trabalho e mostrar que esses alunos são mais proativos e tornam-se melhores executivos”, sugere.
Por Udo Simons. /Via Ensino Superior